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Circuito SESC das Artes 2015

30/04/2015

‘Nossa proposta é artística e política’

‘Nossa proposta é artística e política’

O coletivo Dulcineia Catadora leva o papelão, a literatura e a arte para além das fronteiras: “O livro é mero resultado”, diz a criadora, Lucia Rosa

Por Xenya Bucchioni
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No espaço de um viaduto existe uma sala possível. Distante das técnicas aprisionadoras, pinceis, tintas, letras e papelão encontram mãos dispostas ao livre exercício de criação. A pintura flui e revela o traço sutil da resistência simbólica. Um livro ganha forma – e depois outro e mais outro. São esses livros de poesia, de prosa e de arte, elaborados artesanalmente por mulheres catadoras, que dão vida ao coletivo Dulcineia Catadora.

Criado em 2007, o coletivo foi idealizado pela artista Lucia Rosa a partir do contato com o grupo argentino Eloisa Cartonera, com quem ela trabalhou durante na 27ª Bienal de Arte um ano antes. “Não somos ONG nem editora. Somos uma prática artística colaborativa que conta com a participação de escritores, artistas e catadores”, define Lucia.

Andarilha das realidades distintas, Dulcineia tem seus caminhos cruzados em 2015 com as rotas do Circuito Sesc de Artes pelo interior de São Paulo – em Ribeirão Pires, Mogi das Cruzes, São Bernardo do Campo, Mococa, Itirapina, São João da Boa Vista, Taboão da Serra, Embu das Artes e Itapecerica da Serra. Na capital, o edereço para visitas do coletivo é a Cooperglicério.

Leia abaixo a entrevista com Lucia Rosa. Mais abaixo, assista ao trailer do documentário “Carretera Cartonera”.

Como surgiu a ideia de criar a Dulcineia Catadora?

Montei o Dulcineia Catadora em 2007 já com o olhar voltado para o coletivo. Em primeiro lugar pelo amor aos livros e à leitura e, em segundo, por ser um trabalho artístico político. Nós já começamos de uma forma diferente: temos clareza de que a nossa proposta é artística e ligada ao ativismo. Esta prática [cartoneira] foi pensada para ser simples, numa linguagem acessível a todos e, principalmente, aos participantes do coletivo. Para gerar renda e serem vendidos a um preço baixo, os livros devem ser feitos com uma certa rapidez e facilidade. Essas características fazem com que o projeto se propague. Isso fica evidente nas oficinas que damos, pois elas abrem um convite à formação de novos núcleos.

De lá para cá, como você observa a evolução da atividade cartoneira no país?

Surgiram muitos grupos. Em Recife tem o Mariposa Cartonera, em Garanhuns formamos o Severina Catadora. Fora esses outros grupos se propagaram cada um com características diferentes: no Rio tem o Caraatapa, em Santa Maria (RS) há dois núcleos [Estrela Cartonera e Maria Papelão] e tem ainda em Serra Negra, Santa Catarina. A tendência, agora, é o surgimento de grupos formados por escritores, mas nós continuamos insistindo na prática aliada aos catadores.

Pensando nos mecanismos de produção, distribuição e circulação, em que ponto se encontram, atualmente, cada uma destas frentes?

A gente não tem a prática de circulação e distribuição. É uma coisa pequena: os livros são divulgados pelas feiras de publicação independente [como a Tijuana e a Feira Plana], mas a maior parte das vendas é feita por e-mail. Os livros de literatura têm produção ilimitada e custam R$ 10. No lançamento fazemos entre 50 a 100 exemplares, o autor recebe 10% em livros e, ao longo do ano, a gente recebe novos pedidos. Os livros com artistas são limitados a 100 números. Alguns são até assinados e o preço se mantém acessível: R$ 15. As catadoras recebem assim que os livros ficam prontos.

Entre os livros publicados, há autores conhecidos e novatos. Como é feito o processo de seleção do que será publicado?

Normalmente os escritores mandam o material por e-mail e nós avaliamos. Tanto faz se a pessoa é conhecida ou não. A gente se distancia a léguas de um trabalho comercial, pois visamos o trabalho que merece ser visto, divulgado, aquele que tem uma linguagem e propostas de visão de mundo condizentes com a nossa. É por aí que fazemos a seleção.

E como se dá a participação dos catadores?

Minha intenção é fazer com que os escritores apareçam pelo menos uma vez na cooperativa para terem um encontro mais profundo. Isso tem acontecido com os artistas: muitos nos visitam e a partir daí fazem uma proposta que é trabalhada em mais alguns encontros presenciais. O resultado tem sido a produção coletiva de conteúdo com a participação ativa das catadoras. Este trabalho se iniciou em 2011 e tem sido muito legal porque a arte se abre mais, às vezes é mais acessível do que a literatura. Atualmente, estamos no oitavo livro com artista. A participação, agora, é intensa: os catadores contribuem coletando material, mas quem trabalha efetivamente são as mulheres. Elas têm uma abertura muito grande ao fazer coletivo.

Dulcineia já esteve na África e, neste mês de abril, estará presente em diversas cidades do interior de São Paulo durante a programação do Circuito Sesc de Artes. Como tem sido a experiência de levar a atividade cartoneira a geografias tão diferentes?

Sair de São Paulo é sempre enriquecedor. Aprendemos muito ao conhecer outras formas de ver o mundo, outras vivências e outros tipos de relação com as pessoas. A África me marcou muito. Estivemos em Maputo, Moçambique e lá as mulheres usam capulanas, que são saias de algodão estampado. Os livros ganharam acabamento com esses tecidos e com a areia da praia. É lindo ver como cada lugar vai agregando a sua própria vivência, seus costumes e o modo como isso se reflete na publicação.

 

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